domingo, 30 de janeiro de 2011

FERNANDO MELIM


FERNANDO  MELIM

Fernando Melim, nasceu em 21 de Setembro de 1944, na Urgeira, Valença do Minho, combateu na Guerra Colonial.  Para-quedista em Angola (1963/65)

Conheci-o ainda nos fins da década de 50 na Colónia Balnear da PSP no Cabedelo. Depois na Escola Industrial e Comercial nos inicos de 60. Um dos meus ídolos de então. Atleta de eleição, idealista, tinha de encontrar a projecção do seu próprio  narcisismo ( porque não dizê-lo) intelectual que o levava a também procurar constantemente a perfeição física. Foi parar aos páraquedistas, muito naturalmente.

Passei por lá em 69, quatro anos depois do Melim ter passado à disponibilidade e ainda nessa altura os oficiais, Mansilha, Almendra, Bragança Moutinho, Rodrigues, Lousada, se lembravam do Soldado Melim. Tinha envergadura de oficial, diziam. De facto, quem o conhecesse saberia que tinha estofo para comandar um pelotão, uma companhia ou mesmo um batalhão.

Vem isto a propósito de nos tempos que correm aparecerem cada vez mais livros e outras publicações
acerca da Guerra do Ultramar ou Colonial, como queiram. E ainda bem. Isto compensando todo este tempo passado desde o início dessa guerra - já lá vão 50 anos! sem que os portugueses tivessem dado à estampa as suas experiências pelo menos na quantidade que essa história vivida mereceria. Se fosse na América já teriam sido escritos um milhão de livros, realizados milhão e meio de filmes na maior parte dos quais teriam até ganho a própria guerra!
Mas nós somos assim. Palradores de tasca e de café acerca do futebol e da baixa política guardamos e amarfanhamos o que nos vai mais fundo na alma. E a guerra, durante muito tempo, foi coisa para esquecer. Foi para não se falar nisso. No entanto cada vez mais (e ainda bem como já disse) aparecem os testemunhos, os relatos, os livros, os romances, os albuns, as reportagens, os filmes. A net ajudou muito nos tempos mais recentes.
A própria comunicação social vai dando conta desse "fenómeno"
Aqui chegado, chego aonde queria chegar!
Que seja do meu conhecimento o primeiro protagonista dessa guerra que sobre a mesma escreveu foi precisamente o FERNANDO MELIM. E nele a escrita não seria outra coisa de se esperar. Estava-lhe dentro da sua humanidade. E daí essa necessidade quase imediata em cima dos acontecimentos.
Em 1969 editou um livro intitulado ANJOS PARA O INFERNO

Anjos para o Inferno

Logo a seguir REQUIEM PARA OS HERÓIS.
Este baseado nas suas vivências de guerra mas transposto para cenários da segunda guerra mundial.

Para que conste. Com as minhas homenagens ao precursor e ao amigo!

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

LENGA LENGA AO JANTAR

Pela boca que é a minha
Morre o peixe que é sardinha
Que ás vezes é lucinha
(outras vezes bacalhau
daquele pescado à linha)
Raras vezes é taínha
Misturada com farinha
De milho, trigo, centeio e polinha
Na sertã bem fritadinha
Pois só se mata galinha;
se houver festa da Santinha
Quando o dono tem morrinha
Quando esta tem a galinha
Ou o bicho é da vizinha

E ao cair da noitinha
Avô, Avó, Pai, Mãe e Madrinha
Mais a minha irmã Carminda
Vão rezando a ladaínha
Padre Nosso Salvé Raínha


E o Prior que é fuínha
Assustou a andorinha
Na Páscoa de manhãzinha
Ao tocar a campainha
Por estas Terras de Vinha
Na passagem pr'a Caminha
A toupeira e a doninha
Lavraram o Campo da Linha
Onde os pinheiros dão pruma
E as oliveiras não dão azeitonas
Porque a imaginação já andava longe da Cozinha

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

SANTA COMPAÑA, ESTADEA, PROCISSÃO DE DEFUNTOS

Encontrei a palavra Estadeia  num texto sagrado da nossa Maria Manuela Couto Viana  O ROMANCE DO RAPAZ DE VELUDO no verso “Quando o vulto da Estadeia se ergueu das bandas da Espanha”
Não sabendo identificar a tal Estadeia socorri-me dos nossos amigos galegos para chegar à conclusão que se tratava da Estadea ou Santa Compaña. Ou seja, aquilo a que chamamos de Procissão dos Defuntos ou das almas penadas que vagueavam no mundo à espera de que alguém, rezando por elas, as ajudassem a transpor as portas do Purgatório na sua viagem para o Céu, que sendo inatingível obrigaria essas tal almas a deambular por este mundo metendo medo aos cristãos, pelas encruzilhadas, em noites de breu e tormenta.
Ora acontece que por Bula Papal o Purgatório boi abolido. E por cá, na Galiza da margem esquerda do Minho, ninguém deu por ela nem pelas benéficas e maléficas consequências que isso nos trouxe. Mas já no outro lado e porque os Galegos, da margem direita do Minho, preservam as tradições, isso representou um alívio imenso para quem, de noite, era obrigado a cruzar caminhos e enfrentar as sombras de veredas mal iluminadas. No entanto teve o seu lado negativo. É que essas mesmas almas penadas costumavam fazer umas despesitas nas tascas do reino e também contribuíam para engrossar os votantes em tempos de eleições.
E foi assim que assinalando o sucesso, um colaborador do FARO DE VIGO, de seu nome ANXEL VENCE se referiu num texto publicado em 17 de Janeiro deste ano e que passo a publicar a tradução devidamente autorizada.
ESTADEA - GRAFITTI  EN  PONTEVEDRA
Datei:Santa Compaña Pontevedra 01-01b.jpg 










CRÓNICAS GALANTES por Anxel Vence 

“ FICA  ABOLIDA  A  SANTA  CAMPAÑA”
Provavelmente sem o querer, o Papa acabou de determinar o fim da Santa Compaña que tão bons serviços rendeu aos galegos durante os últimos séculos. Benedito XVI aboliu o Purgatório, retirando assim da circulação as almas penadas que até agora fatigavam cada noite os caminhos deste reino para aliviar a suas angústias nos bares "golfos" da madrugada.  As pré-reformas nem sequer respeitam as almas atormentadas pelo que se vê.
Assegura o Santo Padre que o Purgatório não é exactamente um lugar que possa ser procurado nos mapas ou no Google Earth, mas sim um “fogo interior” destinado a purificar os pecadores que não tivessem conseguido entrada directa no Paraíso. Acabou-se portanto a festa. Uma vez eliminado esse centro de expiação e recolocados os seus inquilinos no Céu –  ou  seja lá onde for – o lógico é que a alegre confraria da Santa Compaña deixa de amenizar as noites da Galiza com sua procissão de túnicas brancas e seus escalafriantes  alaridos.
O encerramento da Estadea por decreto pontifício é uma péssima notícia para os Galegos em geral e para a hotelaria em particular. Desaparece com ela – e com o Purgatório em que se alojavam as suas almas - um dos principais atractivos turísticos da Galiza, ademais um símbolo étnico comparável em popularidade com o Apóstolo, com o Românico Galego, as navalheiras e o tabaco rubio de contrabando. Mas também os proprietários dos bares lhe vão sentir a falta, agora que a lei anti-tabaco lhes aperta as caravelhas das caixas registadoras. Muito menos tristonho do que sugere o tópico, Galiza é um país no qual até os defuntos são gente dada a passar a noite e andar por aí nos copos quando o guarda do cemitério finaliza a sua jornada laboral. A afeição das almas ao vinho está documentada entre outros por Álvaro Cunqueiro (Antigo Director do FARO DE VIGO), que era um perito em anjos, em almas penadas e demais seres do Mais Além que seguem aparecendo por Mais Aquém. Cunqueiro deu no FARO DE VIGO notícia periodística da visita que, vinte e oito almas do Purgatório reunidas em santa e alegre compaña, fizeram a uma certa taberna de Mondoñedo. Contava o Mestre que ali, na de “Póngalas”, os visitantes da ultratumba atiraram ao gasganete quatro rodadas de vinho ribeiro servidas por um aterrorizado dono que não se atreveu a passar-lhes a conta. Não seria por falta de dinheiro, desde logo. Os Galegos que são gente pródiga com os defuntos, nunca deixaram de contribuir para o sustento da Santa Compaña.
Para isso foram colocadas “as Alminhas”  onde os vivos podem deixar uma esmola de forma a que ás almas penadas não lhes falte uns cêntimos para gastar na taberna.
Mantidas por esta curiosa variante de subscrição popular, as alminhas sempre foram na Galiza gente de casa a que incluso se lhes  respeitava o direito de sufrágio em dia de eleições. Na América sobretudo. É sabido que, não há muito tempo, os recaudadores de votos, ajudavam os cadáveres dos emigrantes a sair das campas cada vez que chegavam os comícios. Com grande espírito cívico as almas abandonavam durante algumas horas o sepulcro e uma vez exercido o direito de voto, voltavam à sua residência habitual no campo santo.
Quer dizer que os mortos andantes da Santa Compaña são uma parte mui viva dos costumes deste país e inclusivamente contribuem – com seus módicos consumos – a melhorar a economia da hotelaria e o número de votos dos partidos.
Toda esta rima de tradições poderá agora vir abaixo com a derrogação do Purgatório que dava alojamento ás almas em seu penar rumo ao Céu. Desalojadas de sua casa, como vulgares okupas, ás almas não lhes quedará outra coisa senão renunciar aos seus habituais passeios nocturnos, aos seus  vinhos, suas chachadas com a vizinhança.
Apenas lhes resta o “fogo interior”, apesar de que não seja certo que o Papa tenha aludido à aguardente”
FIM DO TEXTO

ALMINHAS

Alminhas do Serrado

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

O MEU AVÔ LAVRADOR

JERÓNIMO AFONSO PEIXE
(O meu avô lavrador)
Morreu honesto mas pobre. Morreu pobre mas honesto. Como queiram.
Consequência do Priscilianismo remanescente das terras galaico-durienses com que fora educado. Teria que ser pobre por ser honesto.

O meu avô lavrador
subiu este monte ao mato
e dessa vida tão dura
deve ter ficado farto

- De fome teve fartura

De chancas e luvas grossas
roçou mato nas encostas
e nas chãos com dores nas costas
à enchada e à foucinha
da Rompensa à Fragalhinha
comendo brôa e sardinha
dividida por mais quatro

Deve ter ficado farto
o meu avô lavrador
desse trabalho tão duro
de cortar no monte mato

Deixou de ser estucador
encostou a régua ao muro

Deixou o branco do gesso
pelo negro do estrume
pagou na vida alto preço
e como era de costume
subiu este monte ao mato

Deve ter ficado farto
Pois o mato é coisa dura
não se corta com sardinha
de fome teve fartura
e deve ter ficado farto

Na curva d’ápertadinha
onde ouviu piar o gaio
virou um carro de mato
no alto calor de Maio

Buscou sombra não a teve
e bebeu na Fonte Seca
quando quis matar a sede

- Djió me cago em la punheta!

Dizia desesperado
quando algo corria mal
tinha aprendido este fado
em terras de Portugal,
na Galiza aqui ao lado
C’os galegos - gente estranha
que com os outros da Espanha
se cagam na Puta Madre

E voltava ao fim da tarde
com a família à noitinha
ao chegar a casa tinha
de conduto e sem presigo
caldo de unto p’ra jantar
na lareira da cozinha
(como se fosse castigo)

Mesmo assim ia falar,
terço na mão, ao Senhor
e rezando agradecia
aquilo que ao lavrador
tocava ao fim de um dia
igual ao anterior

E não sei se adormecia
se ao alto a noite inteira
não esquecia a canseira
do que tinha pra fazer
logo ao amanhecer
dum outro dia igual
de trabalhos para vencer
num estepôr de vida dura
que se levava afinal
em tempos de ditadura
no Minho de Portugal

- De fome havia fartura!

Rosa Alves do Couto da Casa do Manel Parente
Jerónimo Afonso Peixe da Casa do Moleiro Novo

O MEU PAI


“Aquela madrugada que
Viu lágrimas correrem no teu rosto
De alegre se fez triste como se                                   
Chovesse de repente em pleno Agosto”

 (Manuel Alegre – in  O CANTO E AS ARMAS)





Deve ter sido num dia assim que meu Pai partiu para a França. Não assisti. Estava na tropa. Ou no Porto. Ou em Lisboa. Ou em qualquer outro sítio. Não me lembro, nem me quero lembrar.
A sua fotografia nos seus trinta anos na quinta dos Brasileiros numa das festas que o Senhor Oliveira, o Manquitó, dava na sua chegada a Areosa. Ao seu lado a Luzia, mãe do Zé Oliveira Carvalho, Brasileiro Português de Areosa, que nasceu no mesmo ano que eu, no Porto e que aos três anos foi para o Brasil mas nunca deixou de ser português. Por cima estão o Sr. Morais da Casa do Léro ( se não me engano!) e o Senhor Ernesto Mina, este encostado ao gradeamento, que não é mais nem menos que o pai de João, do Necas, da São, da Irene, do Ernesto, e da Fernanda e que morreu aos quarenta do auge da sua vida!

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

PEDRO HOMEM DE MELLO

PEDRO HOMEM DE MELLO


6 de Março de 1984, Terça-feira de Entrudo. As máscaras não se juntaram no largo de Oliveira.

 " - Não quero morrer mais cedo
         Não quero morrer mais tarde
    - Mas quero morrer um dia...
        No meio da claridade
        Daquele tão triste dia
        Grande, Grande era a cidade
        E ninguém me conhecia "

" Quisera voltar ao bosque
   Onde sei que sou lembrado
   Voltar às leiras de Afife "
                                      
E Afife toda estava lá. No Largo do Casino. Não vierem da “imensa aldeia” os saloios. Não! Apenas o povo que sempre lavou no Rio de Cabanas, que vai ás feiras de Ponte e ás tendas de S. João d'Arga e que talhou durante anos e anos a tumba do Poeta.

                                                               - Que é da Custódia da Fonte?
                                                                - Que é da Ofélia das Caxenas?

... e , no derradeiro apelo do Poeta, também estava a Amália. Esta cantou o Poeta. Aquelas o Poeta as cantou.

Afife, sempre Afife!
                                                                   
"Era aqui, aqui sòmente                                                                                                                                                                                            
  que eu deveria ter ficado.
 Afife de toda a gente
que canta e dança a meu lado”

A poesia, sempre a poesia daquele agora mais perto que sempre

                                    da Ilda Gomes
                                         da Rosinha da Mica
                                             da Maria de Cabanas
                                                  da Octávia das Pintas
                                                     do Raúl

Ali onde as sombras da alameda só bolem quando há luar!

                           “Enterrem os meus ossos em Afife”


Afife, sempre Afife! Até nas últimas vontades do Poeta!
Afife que lhe prestou a ultima homenagem em Vida e a primeira na Morte  (... ou a primeira em Vida e a última na Morte? )




















Nota final.

Schenhor Lopes ( Ela falava axim)  .... morreu o meu amigo – Disse-me a Ofélia das Caxenas.

- Quem!? Eu!? Senhor!? À Sua beira!?


( Texto Publicado na A AURORA DO LIMA em Março de 1985)

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

SANTO ANTÓNIO DE AREOSA

Sozinho fica o António

Descalço e de bibe sujo
Com seus olhos de marujo

A olhar para além do muro
A salvo do gesto impuro

E das tentações do demónio
Sozinho fica o António

Fechado mas não seguro

À MINHA  IRMà CARMINDA









































- Lê Minda, lê!

E ficava à espera da chegada da irmã. Vinha da escola e já sabia ler. E ler era o abrir os livros, o ouvir da boca da irmã os sons que sabia existirem naquelas figuras estranhas por debaixo dos bonecos. Mas só a irmã é que detinha o poder, a magia e o segredo de transformar em palavras os sons que sabia estarem escondidos naquelas linhas dos livros.

- Lê, Minda, lê!

FOTOGRAFIA DOS TEMPOS DAS PARADAS NAS FESTAS D'AGONIA

Da nossa esquerda para a direita. A Zia do Pinheiro, a Irene do Ribeiro, a Carminda do Moleiro Novo, a Sara dabeira do Zé do Coura, a São do Bispo, a Aurora da Seixas e a Lila do Fusco. Se não for assim eu corrijo!

A MINHA NAI

Carminda Alves Peixe

- A minha vida dava um romance. Fiz de tudo. De esposa, de mãe, de irmã, de    avó.  Sei   lá! O que eu passei! Se eu soubesse escrevia um livro!

Quem disse estas frases corriqueiras foi a minha mãe numa tarde de Domingo.
E olhei para aquela lavradeira de oitenta anos com a quarta classe e em quem nunca reparei verdadeiramente.
E empenhei uns instantes a olhar para aquela mulher. Realmente nunca reparei nela deveras. Na minha vida, tendo-a até hoje visto todos os dias, passa como entendo serem os anjos da guarda - existem mas não se dá por ela!
Não precisaria de saber ler ou de escrever.
O Seu Livro já estava escrito no meu coração! Nunca será publicado.
Na fotografia a Carminda do Moleiro Novo, por volta de 1939, com o seu fato novo no ano em que foi mordoma nas Festas de Vinha. O portão ainda existe. É o portão da então Quinta da Nena que depois passou a Albergue e que agora é pertença da APPACDM. Por detrás e dentro no meio do jardim, existia uma cascata com um rapaz em barro a arrebitar para a taça e a que eu achava muita graça.
O fato foi-lhe oferecido pela minha avó Rosa, sua mãe. A saia e o avental foram feitos por uma tecedeira de Perre chamada a FELIZQUENTA. A Algibeira o Colete e a Camisa foram feitos pela Palmira do Valença. Os lenços e a Bolsa foram comprados numa casa chamada A LAVRADEIRA em frente ao rio e ao lado do Depósito das Fazendas.
Um detalhe aos Folcloristas e a outros entendidos.Reparem na bolsa que minha mãe usava na mão direita. Não era nenhuma invenção para turista ver. Era moda de então. Era mesmo assim!

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

ARSÈGUEL

Festival dos tocadores de acordeão diatónico

É sempre no último sábado do mês de Julho.
“Descobri” o festival em 1994. Telefonei ao Alcalde, José Porta, que logo no primeiro encontro se tornou meu grande amigo. Fui lá e fiz a viagem no autocarro da LAZARA que sai de Viana ás sextas-feiras e que chega a Andorra no sábado de manhã. Ainda hoje tenho a imagem da manhã em que embarquei em Viana, nessa sexta-feira em 94, em que  cruzei a Praça da República para apanhar o autocarro que nessa altura parava na avenida. Viajei  até Lalin na Galiza, onde, ao almoço,  me tocou o melhor polvo à galega da minha vida.
(Nas viagens seguintes passamos a parar em Soutelo de Montes, ali antes de chegar ao Carvalhinho, onde também havia uma mulherzinha a vender polvo cozido à porta de uma tasca.  Soutelo dos Montes é as Argas lá do sítio. É a terra dos Cachafeiros, gaiteiros afamados em toda a Galiza, autores da célebre Muinheira da Chantada que, de tradicional, passou a ser um autêntico hino à Galiza utilizado pela TVG no seu genérico.)
Viajei toda a tarde e toda a noite. Pelas seis horas da manhã de sábado, desci em Seo d’Urgel e tomei o pequeno almoço num bar junto  ao cruzamento da estrada que segue o Rio Segre em direcção ao monte El Cadí e Puigcerdá.  Perguntei se Arsèguel era longe e um local, pescador do rio, ofereceu-se para me levar lá.
Viram-me de concertina  e aperceberam-se logo que estava ali por causa do festival da noite. A aldeia afinal ficava apenas a quinze quilómetros de Seo d’Urgel. Cheguei em frente à igreja e paguei, com uma garrafa de vinho, o favor ao catalão. O homem lá se foi todo contente e eu ali fiquei sozinho, saco de roupa numa mão, uma caixa de vinhos, para as ofertas, na outra e  concertina ás costas. Cheguei, eram cerca das oito horas, ao centro do pobo e logo me apercebi dos carteles afixados por toda a parte. Para minha surpresa o meu nome estava lá e correctamente escrito; Barros Lopes. Eu que só tinha telefonado ao alcalde. Dei de caras com o José Porta que me indicou a casa da colónia, que era perto, onde encontrei um salão cheio de beliches. Lá me acomodei para descansar até cerca do meio dia. No entretanto já lá estavam um monte de indivíduos a dormir, rodeados  de bagagem e de instrumentos musicais. Havia de tudo, gaitas, carecas, ocordeões diatónicos, peludos, sanfonas, escandinavos, morenos, um contrabaixo… Tudo descascado pois o calor de Julho no alto dos Pirinéus não dava para outra coisa. Incluindo a companheira de um, que no decorrer do dia  soube ser holandês, tocador de acordeão piano e que não compreendi  bem ao certo se estava por cima ou por baixo dele. Com todo aquele calor tinha espraiado as pernas pela cama dum vizinho barrigudo que ressonava como um porco.  Mais tarde me apercebi que os tocadores,  chegados de véspera,  já se tinham esquentado na noite anterior. Isto pela quantidade de garrafas de vinho e latas de cerveja vazias que ainda ao meio dia se espalhavam pela mesa onde mais tarde serviram o almoço.
Depois de ter recuperado da viagem, com um banho e um almoço  de dizer mais não, saí para a rua  onde o  espectáculo já tinha começado. Muitos dos tocadores já se tinham espalhado tocando e ensaiando em cada esquina das ruas do povoado. E os meus olhos de labrego minhoto  arregalaram-se. Vi um Russo a tocar um acordeão e que dele fazia leque. Sanfonas e gralhas por todo o lado. O Roberto Santiago de Orleans com os outros da Katumba. E principalmente o António Rivas, Colombiano da música Vallenata com quem, de imediato, fiz amizade como que instintiva.
Bem, desde 1994 até hoje, durante estes dez anos, fui lá sete vezes. Sempre sozinho. Com os meus pensamentos. O festival já vai em vinte e oito edições e o único português a lá aparecer foi o Lopes d’Areosa. Isso permitiu conhecer um mundo diferente para além de tudo o que até ali conhecera. E também fazer amizades que permitiram que, desde 1998, tivessem vindo a Viana; o Henrique Telleria, Uruguaio tocador de Bandaneon; O  Inhaki Garmendia e Emanol Iturbide tocadores de Triquitixa do País Basco. De Barcelona o Marc del Pino e o Dani Violant,  catalão  que toca num acordeão Diatónico Bertrand Gaillard, o Ferrari dos diatónicos no dizer de Robert Pinhol. Os Tocadores da Associação de Zarautz no País Basco. O António Rivas, Colombiano que esteve, em 1999, em Viana e em  Cerveira na homenagem ao Nelson Vilarinho. O Chema Puente tocador de Ravel de Santander,  o Roberto Echevérria e o Inhaki Arrazabalaga, de Bilbao, que estiveram em Afife no último Junho numa  noite de homenagem a Pedro Homem de Mello.
E tantos outros que só não são citados por falta de espaço e que não vêm cá a Viana por falta de apoios.
Bem, a noite começa pelas 22 horas com a actuação dos participantes em palco. Na minha primeira  vez, em 1994, lá toquei, cantei ( e dancei)  um vira, uma chula e uma cana verde, envergonhados face à incrível técnica e qualidade dos restantes participantes. Valeu-me a chinfrineira da concertina, o balanço do corpo e a projecção da voz e aí ninguém me ganhou! Tive que explicar que em Portugal ganha, não quem toque e cante bem, mas sim quem berre mais alto, mas que aí era dos assim-assim. Pelas duas da manhã um conjunto de música catalã toca para um baile depois de terem retirado as cadeiras do largo. E a noite continua até ás oito da manhã com o pessoal a tocar pelas ruas e nos bares. No fim está tudo bêbado. ( A mítica noite de festa teorizada pelo meu amigo Félix). Dorme-se até ás três da tarde hora do almoço. No restaurante da LLuíza vêem-se as imagens do festival que passam no canal Catalão e almoça-se. O Português é o primeiro a partir pois que, em Seo d’Urgel, a camioneta de regresso a Viana passa ás quatro horas. Mas deixa toda a gente a chorar pois ao som da concertina se  despede, cantando, em galego.

Adiós com el coração
Que  com mi alma não puedo
Ao despedir-me de tí
Ao despedir-me me muero

Bem! Isto não é bem galego mas dá para entender.
Mais um detalhe, já na madrugada, um grupo de Barcelona, por me saberem português, canta para mim a canção de LLuís LLach, ABRIL 74 a Revolução dos Clavels. Nunca mais me esquecerei. Pertence a um álbum lindíssimo que se chama VIAGEM A
ÍTACA.

COMPANYS  SI  SABEU
ON  DORM  LA  LLUNA  BLANCA
DIGUEU-LI  QUE  LA  VULL
PERÓ  NO  PUC  ANAR  A  ESTIMAR-LA
QUE  ENCARA  HI    COMBAT

COMPANYS  SI  CONEIXEU
EL  CANT  DE  LA  SIRENA
ALLÁ  EN  MIG  DE  LA  MAR
JO  L’ANIRIA  A  VEURE
PERÓ  ENCARA  HI    COMBAT

COMPANYS  SI  BUSQUEU
LES  PRIMAVERES  LLIURES
AMB  VOS  ALTRES  VULL  ANAR
QUE  PER  PODER-LES  VIURE
SO  ME  N’HE  FET  SOLDAT

I  SI  UM  TRIST  ATZAR
M’ATURA  I  CAIC  EN  TERRA
PORTEU  TOTS  ELS  MEUS CANTS
I  UM  RAM  DE  FLORES VERMELLES
A  QUI  TANT  HE  ESTIMAT
PERÓ  ENCARA  HI    COMBAT

O local, surpreendente, não passa de uma povoação pirinaica, típica do Alto de Urgel, muito pequena e abandonada. A montanha verde esbate-se contra uma outra muralha que se ergue acima dos olhos para Sul. É o monte EL CADI totalmente branco. É uma tela esmagadora mesmo em frente à varanda do restaurante da LLuíza, esposa do José Porta. Por todo o lado as casas apresentam as cortes antigas do gado de monte ainda com os restos da palha dispersos.

Desde 1964 Artur Blasco, o responsável pelo Festival onde aparecem tocadores de todo o mundo, tem feito um trabalho notável de procura, colecção, divulgação e desenvolvimento da tradição do acordeão diatónico. No início o festival apresentava os tocadores rurais e tradicionais que, pouco a pouco, foram desaparecendo. Eu ainda conheci alguns. Organizaram um museu dos acordeões onde tirei uma fotografia junto ao Jazz de um tal conjunto Alegria em tempos existente em Seo d’Urgel. Curiosa coincidência com Vila Praia de Âncora.

Não cabe aqui descrever Arsèguel. Será objecto de um livro com mais detalhe.

Voltei lá no último sábado de Julho de 2004, depois de um interregno de dois anos. A mesma carreira o mesmo percurso a mesma monotonia da viagem, (vinte horas!!!) os mesmos pensamentos, as mesmas memórias. Dez anos! Meu Deus! Pensei. Mais um ciclo da minha vida a fechar-se. Cheguei a atemorizar-me; se o peso das recordações me não despedaçaria. No entanto esmagamento só o do monte Cadí ao nascer do sol.



De novo aquela visão avassaladora. E o tempo, sempre o tempo a esbater as memórias dos momentos de solidão em que apenas os locais por onde passámos nos servem de referência afectiva em comunhão com tudo o que, nos sucessivos instantes, atravessa o nosso pensamento. Mas não só. Os amigos, sempre os amigos, aqueles que aliviam a incómoda sensação de que andamos sozinhos no mundo. E fiz uma montanha deles, em Arseguel, de há dez anos para cá.
Há dois anos que não ia a Arsèguel. Sabia que José Porta, o seu Alcalde e meu amigo, estava muito mal com um cancro que o minava totalmente. Por uma circunstância incrível o seu genro, Julien, estava a trabalhar, aqui em Viana na EUROSCUT, na nova variante de Ponte de Lima e me dava notícias do pai da sua namorada. Esperava encontrar o José Porta, falar com ele. Na viagem de La Seo para Arsèguel contei ao taxista o meu relacionamento com o festival e a minha amizade com o Alcalde e que sabia que ele estava muito doente.
- José Porta morreu há quinze dias, informou o meu interlocutor.
O táxi descia a estrada na margem direita do Rio Segre. Este, por sua vez, no seu curso, descia em sentido contrário. A ilusão de óptica, que fazia parecer que estava a subir em relação ao nosso movimento, devia-se à inclinação do corte da estrada na montanha. O primeiro Sol da manhã já iluminava as cristas das vertentes Oeste dos montes do Alto Urgel. A nossa estrada seguia ainda na sombra. Ao longe, muito acima e para Sul, o  Cadi, dominando a montanha e  a garganta do leito do Segre, apresentava o seu reflexo das primeiras luzes do dia em toda a sua branca e imensa dimensão. Já se avistava a pequena ponte que, para a direita e passando o Segre, nos levaria a Arsèguel. E aquela linda estalagem, rodeada de árvores, ao fundo. À direita e por cima do recorte encurvado do monte mais próximo,  Arsèguel mostrava já a silhueta da torre da sua Igreja, recortada na brancura do Cadí,  no seu lugar de sempre.  Luzes,  caminho e recantos reconhecidos de outras chegadas.
Inclinei-me para a direita e encostei a cabeça  ao vidro da janela. Olhei para o exterior e, numa única imagem, tudo se me apresentou amalgamado com o vácuo que me sugava o peito.  Não fora o normal ruído do carro em andamento,  o som das lágrimas, que caíram  durante o resto do caminho, misturar-se-ia com a canção do Segre no seu leito, ali ao nosso lado. Senti o taxista apertar o meu antebraço esquerdo.
- É a vida. Disse.
Era verdade. Tão verdade como o facto deste catalão ter dito “é a vida” exactamente como nós dizemos. Possivelmente da mesma forma que em qualquer outra parte do mundo.

Afife, Setembro de 2004
António Alves Barros Lopes


Texto publicado na A AURORA DO LIMA em 29 de Setembro de 2004

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

DEFICIENTES

Guardar recortes tem destas coisas. O que aqui vai é de 20 de Dezembro de 2006. Na altura, distraidamente, acrescentei os meus comentários pensando, precipitando-me, para que é que as empresas necessitariam de mais deficientes.


À distância percorrida desde então permito-me e por isso, discordar da nota do Presidente nessa data.

Ai não que não foi um fardo para as empresas e para todos nós os deficientes que o BPP e o BPN já tinham.

Lopesdareosa

1 de Janeiro de 1995

O ano começou com três eventos muito importantes. Um de carácter cultural. Outro, um acontecimento desportivo. E depois um a meio pau ou seja, desportivócultural!

De manhã, o autor destas linhas agradeceu, com os versos que se seguem, o café que lhe ofereceram em Carreço



































De tarde houve o desafio que o cartaz abaixo testemunha. Não assistí ao encontro propriamente dito. Mas estive presente no mateche que se seguiu, no confronto com as equipas das Cervejas contra a dos Camarões alí para o lado da Góis Pinto.


Pena que nem o pelouro da Cultura da Câmara de Viana do Castelo, nem a Secretaria de Estado dos Desportos se tivessem apercebido de tamanhos acontecimentos.

Sempre teve as suas vantagens, nem a cerveja nem os camarões foram desperdiçados!

Lopesdareosa